Editorial

Autores

  • Preciosa Fernandes CIIE – Centro de Investigação e Intervenção Educativas, Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, Porto, Portugal.
  • Carlinda Leite CIIE – Centro de Investigação e Intervenção Educativas, Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, Porto, Portugal.
  • Paulo Marinho CIIE – Centro de Investigação e Intervenção Educativas, Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, Porto, Portugal.
  • Javier Murillo Universidade Autónoma de Madrid, Espanha
  • Sofia Marques da Silva CIIE – Centro de Investigação e Intervenção Educativas, Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, Porto, Portugal.

DOI:

https://doi.org/10.24840/esc.vi59.345

Palavras-chave:

editorial

Resumo

A pandemia Covid-19, e a consequente exigência de isolamento social, causou efeitos avassaladores em todo o mundo e em todas as áreas da sociedade. No campo da educação, de acordo com relatórios da UNESCO (2020), mais de 1,5 bilhões de estudantes foram afetados/as pelo encerramento de escolas e universidades. Foi a maior interrupção na história da educação escolar (Engzell et al., 2020) e o recurso às tecnologias digitais tornou-se essencial para enfrentar as emergências da pandemia. Com o compromisso de manter as atividades educacionais durante o período de isolamento social, os sistemas e as instituições educativas viram-se obrigados a uma transição digital hiperacelerada, apoiada nos recursos e plataformas digitais existentes e que reconfiguraram os espaços e tempos de ensino-aprendizagem-avaliação. Este ambiente educacional virtual, que tem sido designado por ensino remoto contingencial, tornou visível e até acentuou desigualdades sociais pré-existentes ao contexto pandémico (Beaunoyer et al., 2020), nomeadamente ao nível do acesso à Internet, da existência de computadores necessários para uma educaçãoon-line, de ambientes adequados para a aprendizagem, assim como apoio familiar (Schleicher, 2020). Como tem sido denunciado, estas situações acarretaram impactos substanciais nas aprendizagens das crianças e jovens (Kuhfeld et al., 2020), favorecendo o abandono escolar e agravando os problemas de exclusão. Ter conhecimento destas situações e de como foram enfrentados os desafios permitirá planear o futuro, conhecendo o que há a fazer ao nível dos sistemas educativos, das instituições, dos/as professores/as e dos/as alunos/as. É nosso desejo que o conhecimento produzido sobre o fenómeno COVID-19 e seus impactos nos campos social e educacional contribua substancialmente para a compreensão de problemáticas emergentes neste “contexto pandémico” e, ao nível dos contextos de ação, possa apoiar os agentes educativos na reconfiguração de processos e de estratégias educacionais inclusivas. Esse foi também o principal propósito que esteve na base da organização deste número especial da revista ESC – Educação, Sociedade & Culturas, que conta com dez artigos. Num esforço de orientar a leitura deste número, os artigos foram ordenados em quatro temas principais: i) Ensino superior: perspetivas de estudantes e situações de estágio; ii) Perceções de professores/as sobre o uso de tecnologias digitais em contexto de ensino on-line; iii) Professores/as: dilemas, condições e relações vividas; e iv) Desigualdades sociais e democracia.No primeiro grupo temático, o artigo “‘Vírus’ da exclusão socioeconómico-digital no ensino superior em tempos de Covid-19”, da autoria de Marinaide Freitas, Antonio Freitas, Andresso Torres e Ana Luísa Santos, foca situações vividas por estudantes numa universidade federal brasileira. Por meio de narrativas de jovens estudantes, os/as autores/as constatam a preexistência de um vírus da desigualdade transmitido nos contextos socioeconómicos e digitais dos/as estudantes muito antes do estado pandémico, que foi claramente desvelado durante a tragédia provocada pela Covid-19.Paula Batista, Mariana Amaral-da-Cunha, Elsa Silva, Kely O’Hara e Amândio Graça são autores/as do artigo “O ensino on-line em período de confinamento: Perspetivas de estudantes-estagiários/as de Educação Física”. Recorrendo, também, a narrativas de estudantes-estagiários/as de instituições de ensino superior (IES) de formação de professores de Educação Física em Portugal, o estudo tem por objetivo “explorar as vozes de estudantes acerca do processo de reconfiguração do ensino presencial para o ensino on-line”. Entre outros aspetos, os resultados apontaram para um “empobrecimento do currículo que, aliado à ausência de corpos (dos/as próprios/as estagiários/as e dos/as alunos/as) e a imperativos de natureza burocrática, comprometeram a aprendizagem e a função formativa da avaliação”. O artigo com o título “Estágio à prova de distância: Uma experiência tão extraordinária como autêntica”, da autoria deElisabete X. Gomes, António Montiel e Ana Isabel Matos, analisa uma experiência pedagógica de formação inicial de professores/as vivida no quotidiano da Prática Supervisionada no 1.º Ciclo do Ensino Básico, no contexto da pandemia da Covid-19. Os resultados da investigação apontam para a existência de contradições, isto é, por um lado, é considerado que o recurso a ferramentas tecnológicas no contexto de estágio, que antes não eram usadas, “propiciou um outro estilo de contacto”, por outro, é reconhecido que “nem aqueles recursos, nem a pertinência e oportunidade das decisões adotadas, justificam por si só o balanço positivo (...) da experiência excecional vivida”. O estudo permitiu ainda levantar questões substanciais presentes e futuras sobre a realização de estágios em contextos peculiares de pandemia. No segundo grupo de artigos, Joana Duarte Correia, Susana Henriques e Sara Dias-Trindade quiseram, no estudo realizado, compreender perceções de professores/as portugueses/as do ensino básico e secundário sobre o modo como foi realizada a transição do regime presencial para o regime digital, em contexto de pandemia. Os resultados mostram que essa passagem obrigou os/as professores/as a modificar o seu trabalho pedagógico, em particular na flexibilização de processos de ensinar, aprender, e na motivação para o envolvimento dos/as alunos/as nesses processos. Adriana Cavalcanti dos Santos, Nádson Araújo dos Santos e Wilton Petrus dos Santos, no artigo que apresentam com o título “Tecnologias digitais e educação escolar em tempos de pandemia da Covid-19: percepções de professores/as de Língua Portuguesa”, estudam, em contexto brasileiro (Estado de Alagoas), perceções de professores/as de Língua Portuguesa sobre as aulas realizadas durante o ensino remoto emergencial, na sua relação com as tecnologias digitais. As perceções dos/as professores/as demonstraram que, para prevalecer nas escolas o formato do “ensino remoto emergencial”, será necessário uma maior interlocução entre políticas educacionais, escola e comunidade, de modo a garantir uma justiça curricular e social. O artigo “Teachers in times of emergency remote teaching: a focus on teaching and relationships”, da autoria de Ana Cristina Torres, Ana Isabel Teixeira, Sofia Castanheira Pais, Isabel Menezes e Pedro Daniel Ferreira, apresenta e discute também perceções e experiências de professores/as portugueses/as sobre efeitos da mudança de um ensino presencial para o ensino on-line. Entre outros aspetos, o estudo demostrou efeitos positivos de mudança ao nível da qualidade dos processos de ensino e das relações com os/as alunos/as, famílias e pares. Na temáticaProfessores: dilemas, condições e relações vividasincluem-sedois artigos.O primeiro, com o título“Educação, tecnologias digitais e o contexto pandêmico”, da autoria de Flávia Cipriani e de Antonio Flávio Barbosa Moreira, apresenta uma análise dos principais dilemas vivenciados por professores/as da educação básica brasileira, no período da adoção intensificada das tecnologias digitais no ensino remoto. Os resultados do estudo mostram que, pese embora os/as professores/as enunciem “inúmeras dificuldades” e considerem que as aulas on-line não substituem as “relações presenciais”, reconhecem também “a validade da educação remota e das tecnologias digitais da comunicação e informação (...) nas práticas educacionais”. O segundo artigo desta temática, da autoria de Carolina Bodewig e de Miguel Armando Paniagua, tem por título “Contención y creación de sentido de comunidad para las y los docentes: una experiencia de círculos de diálogo docente en El Salvador” e analisa condições e relações criadas e fomentadas pelos espaços virtuais e o potencial que estes têm para lançar bases para novas estratégias de trabalho colaborativo entre professores/as. Entre várias conclusões, o estudo aponta o risco de, ao se retornar ao contexto presencial da escola, se esvaziar a prioridade e o valor desses espaços virtuais, podendo voltar-se de novo às rotinas instaladas e a lógicas institucionais normalizadoras. O terceiro grupo de artigos, associado à temática Desigualdades sociais e democracia, integra o artigo com o título “COVID-19 e desigualdades escolares: uma análise da investigação sobre os efeitos do encerramento das escolas no processo de ensino e aprendizagem”, da autoria de Luana Muchacho, Carla Vilhena e Sandra Valadas. Colocando a ênfase na questão das desigualdades sociais no processo     de ensino e aprendizagem, o estudo analisa efeitos da pandemia Covid-19 decorrentes do encerramento das escolas, nomeadamente ao nível de medidas que foram adotadas para minimizar aquelas “desigualdades sociais nos resultados escolares”. Os dados deste estudo demonstraram “uma correspondência entre a qualidade do processo de ensino e de aprendizagem dos/as alunos/as e o capital económico e cultural das famílias, revelando o agravamento das desigualdades escolares provocadas pela pandemia”. Integra também a temática das Desigualdades sociais e democracia o artigo com o título “Inequalities and democracy in online education during the Covid-19 pandemic: a comparison between Brazil and Sweden and their representativeness in current global issues”. O autor e a autora, Stefano Schiavettoe Karoline Schnaider, apresentam um estudo comparativo entre Brasil e Suécia sobre desigualdades e democracia na educação on-line durante a pandemia Covid-19. Entre outras dimensões, analisam a organização dos sistemas educacionais, as medidas educacionais implementadas durante a pandemia Covid-19 e efeitos dessas medidas no acesso e uso das tecnologias digitais. A organização deste número temático da revista ESC – Educação, Sociedade & Culturas integra-se no âmbito do projeto DigP_SEM - Plataformas Digitais em Gestão Educacional de Clusters Escolares (PTDC / CED-EDG / 29069/2017) e da Comunidade Prática de Investigação Currículo, Avaliação, Formação e Tecnologias Educacionais (CAFTe) do Centro de Investigação e Intervenção Educativas (CIIE) da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto. O conjunto de artigos apresentados neste dossiê evidencia enfoques e problemáticas que são ilustrativos de agendas que, em contexto de pandemia, configuraram objeto de interesse de académicos/as e de professores/as e educadores/as. Desejamos, por isso, que constitua um contributo substancial para apoiar a reflexão sobre a transição paradigmática que está a ser vivida no “novo ambiente de aprendizagem” e implica um adequado uso das tecnologias digitais nos processos de ensino-aprendizagem-avaliação. No seu conjunto, este número responde a uma necessidade de aprofundar a reflexão sobre aquelas que foram as respostas ativadas por desafios sentidos em larga escala, mas que se traduziram em micro contextos. Se verificámos a multiplicação de reações imediatas para se resolverem urgências e continuar a assegurar educação de qualidade, depressa se verificaram dificuldades estruturais. Este número dá conta do impacto, de respostas e dos desafios sentidos e situados. Contudo, este número também contribui para, em coletivo, podermos fazer o que Cynthia Selin (2008) considera ser a produção de conhecimento antecipatório, prestando atenção ao modo como socialmente lidamos com acontecimentos disruptivos e de incerteza, mas sobretudo como nos podemos tornar cada vez mais capazes de contruir de forma colaborativa cenários futuros. Será este, talvez, um dos grandes estímulos deste número, o de como nos responsabilizamos pelo futuro possível para as próximas gerações, influenciando também a as próprias respostas sociotécnicas.     Acreditamos que as leituras convocadas em cada artigo, e o facto de serem produzidas a partir de lugares e de referenciais teóricos-metodológicos diferenciados, conferem a este dossiê temático um caráter singular de qualidade inestimável que, esperamos, estimule e amplie a reflexão de cada leitor/a.             

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Referências

Beaunoyer, Elisabeth, Dupéré, Sophie, & Guitton, Matthieu (2020). COVID-19 and digital inequalities: Reciprocal impacts and mitigation strategies. Computers in Human Behavior, 111, 106424.https://doi.org/10.1016/j.chb.2020.106424

Engzell, Per, Frey, Arun, & Verhagen, Mark (2020). Learning loss due to school closures during the COVID-19 pandemic. SocArXiv ve4z7. https://doi.org/10.31235/osf.io/ve4z7

Kuhfeld, Megan, Soland, James, Tarasawa1, Beth, Johnson, Angela, Ruzek, Erik, & Liu, Jing (2020). Projecting the potential impact of COVID-19 school closures on academic achievement. Educational Researcher, 49(8), 549-565. https://doi.org/10.3102/0013189X20965918

UNESCO. (2020). Responding to COVID-19 and beyond, the Global Education Coalition in action. UNESCO. https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000374364

Schleicher, Andreas (2020). The impact of COVID-19 on education: Insights from Education at a Glance 2020. OECD. https://www.oecd.org/education/the-impact-of-covid-19-on-educationinsights-education-at-a-glance-2020.pdf

Selin, Cynthia (2008). The sociology of the future: Tracing stories of technology and time. Sociology Compass, 2(6), 1878-1895. https://doi.org/10.1111/j.1751-9020.2008.00147.x

Publicado

2021-07-21

Como Citar

Fernandes, P. ., Leite, C. ., Marinho, P. ., Murillo, J. ., & Silva, S. M. da . (2021). Editorial. Educação, Sociedade & Culturas, (59), 5–9. https://doi.org/10.24840/esc.vi59.345