CALL FOR PAPERS | Educação em Ditadura: políticas, práticas e resistência
Publicada em 2025-07-04Número especial da Educação, Sociedade & Culturas
EDUCAÇÃO EM DITADURA: POLÍTICAS, PRÁTICAS E RESISTÊNCIA
Envio de artigos até 16 de fevereiro de 2026
Organizadores/as convidados/as
Luís Grosso Correia, CIIE, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Portugal
Felicitas Acosta, Universidad Nacional de La Plata e/and Universidad Nacional de General Sarmiento, Argentina
Antonio Canales Serrano, Universidad Complutense de Madrid, Espanha
Objetivos e âmbito do número especial
No centenário da instauração de uma ditadura militar em Portugal, a qual se materializou na figura de António de Oliveira Salazar (1932-1968) e foi continuada por Marcello Caetano (1968-1974), o presente dossiê temático visa dar a lume artigos oriundos de diferentes contextos nacionais e histórico-políticos que concorram, a um tempo, para a identificação da pluralidade de regimes não-democráticos, que são albergados pelo conceito de ditadura (personalizada, civil, de partido único, militar, monárquica, etc.) e a sua relação com o setor da educação.
O conceito de ditadura remonta à antiga Roma republicana, tendo então um significado distinto e diferente dos nossos dias: o exercício de um poder muito alargado por uma única pessoa, nomeado pelas instituições oficiais (magistrados, Cônsul e Senado), para governar, durante seis meses, em contexto de crise provocado por ameaças, externas ou internas, à manutenção da ordem política vigente. A utilização do conceito evoluiu ao longo da história, tendo ganhado novos significados e práticas sendo, atualmente, mais fácil defini-lo por contraposição ao de democracia. Quando se analisa as soluções institucionais (legislaturas, eleições, sistema de partido único ou multipartidário, restrição ou diminuição das liberdades individuais, de opinião, de reunião, de associação, contexto de guerra externa e/ou civil, etc.) e os dispositivos políticos montados para conseguir o apoio e cooperação de alguns segmentos da sociedade, por um lado, e para neutralizar a oposição engendradas a nível de cada país, por outro, é possível afirmar que o universo das ditaduras é plural.
No caso da longa ditadura (1926-1974) em Portugal, por exemplo, assistiu-se a um processo político dominado por um programa mínimo para obtenção do máximo de apoios; a institucionalização de um modelo económico e social baseado no equilíbrio orçamental, numa economia dominada pela agricultura, na organização corporativa; no condicionamento industrial; na institucionalização de facto de um partido único; na aprovação da Constituição do “Estado Novo” fora do Parlamento; no esvaziamento dos órgãos legitimados pelo sufrágio direto, na criação de um Estado policial, repressivo e tendencialmente totalitário; na reabilitação da mística do império colonial; entre outras. Do ponto de vista educativo, a ditadura deixou marcas vincadas do ponto de vista dos valores (“Deus, Pátria e Família”), da manutenção de um analfabetismo massivo, da tecnologia sócio-escolar montada nos estudos pós-primários (escolaridade primária elementar para todos, ensino secundário não gratuito – o ramo técnico para alguns dos filhos de trabalhadores e o liceal para formar os poucos quadros médios – e o ensino superior para uma imensa minoria), da instauração da política do manual escolar único, da vigilância e repressão sobre professores e alunos que não demostrassem “afecto ao regime”, entre outras.
A ditadura de Franco em Espanha, que também se estendeu por um período considerável (1936-39 - 1975), teve uma génese muito mais dramática, sob a forma de uma guerra civil, e deu uma dimensão particularmente radical à remodelação da sociedade espanhola. A repressão severa foi uma das suas principais características e teve um impacto notável na educação. Paralelamente ao exílio, às execuções e às prisões, a profissão docente foi submetida a um processo de purga com o objetivo de garantir um corpo docente alinhado com a ideologia do regime e transmitir os novos valores nacional-católicos. A política educativa de Franco levantou múltiplas questões, como a subordinação aos interesses da Igreja e das congregações docentes e os seus efeitos no sistema escolar, especialmente o encerramento de metade das escolas secundárias públicas. Na década de 1960, porém, o regime alterou radicalmente a sua política e promoveu uma expansão quase exponencial da rede de escolas públicas, ao mesmo tempo que impulsionou a modernização educativa em diversas áreas. Por detrás desta viragem copernicana estava a integração de Espanha em organizações internacionais e a adopção pela ditadura das suas prescrições desenvolvimentistas. Assim, a ditadura franquista apresenta-nos o paradoxo de duas realidades educativas contrastantes sob o mesmo regime.
Ao longo do século XX, a Argentina conheceu uma série de ditaduras militares que romperam a ordem democrática e moldaram profundamente a vida política, social, económica e cultural do país. Estas incursões autoritárias impuseram modelos de governo e estratégias de controlo com efeitos duradouros. A primeira rutura institucional ocorreu em 1930 com o derrube de Hipólito Yrigoyen, que deu início à "Década Infame", marcada pela fraude eleitoral e pela aliança entre os setores conservadores e económicos. Em 1943, um outro golpe abriu caminho à ascensão de Juan Domingo Perón, eleito democraticamente em 1945, mas a sua deposição em 1955 levou a um período de forte polarização política entre peronistas e antiperonistas. Em 1966, um novo golpe militar instaurou um regime ditatorial sem prazo, que marginalizou os partidos políticos e reprimiu as universidades e os protestos sociais. Este clima de exclusão agravou-se durante a década de 70, culminando na ditadura de 1976, a mais violenta da história argentina, que aliou o terrorismo de Estado a um projeto económico neoliberal. Os períodos ditatoriais variaram em intensidade e foco, embora em todos os casos procurassem moldar subjetividades funcionais aos seus projetos nacionais, e a educação era um dos principais campos de disputa. Com o regresso da democracia em 1983, iniciou-se um processo de reconstrução institucional, que passou também pela redefinição do papel da escola como espaço de memória, participação e educação cívica.
A Educação, Sociedade & Culturas e os organizadores do dossiê temático convidam os investigadores a apresentar propostas de artigos que abordem a relação entre os regimes não-democráticos (de diversos períodos históricos) e as marcas que deixaram nos sistemas educativos de diferentes países e os movimentos e atores educativos que lhes resistiram e opuseram.
Datas importantes
- Submissão de artigos até 16 de fevereiro de 2025
- Publicação: 2026
Instruções para submissão
Seguindo as políticas da Revista ES&C, os/as autores/as podem submeter seus textos em inglês, francês, espanhol ou português. A contribuição deve ser original, inédita e não pode estar sob revisão ou submetida para publicação em outro periódico.
Os manuscritos devem ser submetidos eletronicamente através do portal online acessível no sítio Web da revista e devem cumprir os requisitos mencionados nas instruções de submissão no sítio Web da ESC. Os artigos serão submetidos a um processo de revisão por pares.
Algumas referências bibliográficas
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